Durante a semana, acordo às 7 da manhã e saio ás 8 para dar aulas particulares. No caminho,
cumprimento minha vizinha que está varrendo a calçada de sua casa e, algumas
vezes, paro para conversar um pouco com ela. Prossigo na minha
caminhada, saudando algumas crianças que já estão brincando na rua. Chego à casa
de meu primeiro aluno, filho de evangélicos. Saúdo-os e inicio a aula de
reforço. Pergunto quais as dificuldades e na medida do possível, vou tentando
solucioná-las. Por serem evangélicos, policio-me ao máximo no meu modo de agir e falar. Uma hora depois, dirijo-me à casa de outra aluna, de família
católica. Na parede e na estante, quadros
e imagens de santos. Ao contrário da primeira contratante, a segunda é bem comunicativa e até compartilhamos alguns assuntos pessoais. Ás 11,volto pra
casa, ligo meu aparelho de som e ouço as
músicas que gosto, sempre cantando a minha maneira. De repente, o celular toca; ou
é minha sobrinha ou é uma amiga do Rio. Para cada uma delas, tenho um tipo
diferente de conversa.
Até aqui, descrevi várias fases
da minha vida, ocorridas em pouco mais de cinco horas. Para cada uma dessas fases, há uma máscara diferente. No
decorrer da minha vida, já usei, uso e usarei muitas outras; caso contrário, terei que
viver isolado em uma redoma.
Já ouvi, não raras vezes, algumas pessoas dizendo
que demonstram o que realmente elas são. Eu fico me perguntando: o que é demonstrar o que realmente se é? Seria uma pessoa totalmente desnuda de máscaras sociais? E isso é possível? Talvez essa possibilidade tenha existido nos primórdios da humanidade, quando o homem, no seu estado de natureza ,seguia apenas seus instintos
básicos para a sobrevivência.
Desde
que o homem saiu de seu estado natural para o estado de civilização, surgiu a
necessidade de se usar máscaras. Assim como há uma roupa para cada
ocasião, há também um tipo de personalidade(máscara) para cada situação ,local e pessoa.
Além das nossas características psicológicas e físicas já formadas pelo tempo,
criamos características momentâneas para nos apresentarmos perante o outro. São as máscaras sociais, que vestimos para esconder
o nosso natural e nos proteger do natural do outro.
A máscara social é uma
maneira do eu refletir para o outro
o que se vê nele, causando uma familiaridade entre dois ou mais estranhos. Um homem comum usará a máscara de cliente de um banco para conversar com o
gerente deste banco . Fora do banco, em um
bar com amigos usará outra máscara e em um consultório médico se vestirá de
paciente .Da mesma forma, o gerente do banco ,o médico e os amigos boêmios usarão
diversas máscaras sociais, dependendo da situação e da pessoa com quem estão
relacionando
Existem diversos seres em nós ,que vão surgindo de acordo com as situações . Há o ser interno, escondido
pela máscara social, há o ser visto pelo outro e o ser que o eu se vê no outro. Da mesma forma, o outro
depende do eu para saber que tipo
máscara irá usar.
Então, nunca somos verdadeiros? Ao contrário, somos vários verdadeiros. Dizer que alguém não tem personalidade
leva em conta um conceito do senso comum e não tem nenhum fundamento científico
ou filosófico. Dizer que alguém não tem
personalidade é negar as máscaras sociais
e se afirmar como alguém que anda com uma radiografia psicológica mostrando
para todos o que realmente é; mas, afinal, o que realmente somos?
Se alguém me pergunta quem eu
sou ,tenho várias respostas: “Sou Marcelo, filho de Fortunato e Célia,
licenciado em Filosofia, poeta, blogueiro, pai do Klaus, tio da Tatá,
apaixonado por Fulana, fã do Pink Floyd, cliente de um banco, freguês de um
supermercado, convidado de uma festa, espectador de uma peça, etc.
São várias respostas
para uma pergunta só, várias definições para Marcelo Maia Gomes. Entretanto, qual dessas é a minha PERSONALIDADE sem máscara?
Qual dessas personalidades não foram formadas a partir do meu convívio com o
outro e por estar diante de uma situação?
Não há resposta para isso, pois todas as personalidades são influenciáveis e adaptáveis ao momento; todas elas não passam de máscaras de conveniência.
Mesmo, aquele que diz expor o que há no seu interior, depende do outro
para essa exposição.
Para Sartre, o outro é o espelho para o indivíduo e a
partir dessa intersubjetividade definimos nosso eu de acordo com a situação ,momento e local. O outro que está diante de mim influencia o meu eu. Se estou diante de uma pessoa religiosa ,minha consciência
prevê as consequências de eu me assumir como um ateu e, da mesma maneira, o
religioso se prepara interiormente para tentar me convencer da existência de
Deus. Escolhemos, então, que máscaras usaremos; a do debate sobre a existência ou
não de um ser supremo ou discursaremos sobre futebol. Ou seja, o eu não se define sem o outro.
A
partir do outro, o indivíduo
se torna vários eus, que muitas vezes
entram em conflitos, fazendo com que nossa consciência nos acuse de hipócritas. Porém, o que é a hipocrisia, senão uma máscara social, que vestimos para protegermos e escondermos o nosso Eu? Então, o que na verdade é o EU? Um ser dotado de características
próprias ou um ser refletindo a imagem do outro, que
por sua vez reflete a imagem do eu?
Há uma existência isolada ou toda existência é dependente da outra?
O EU é a própria pessoa, a IDENTIDADE que se resguarda atrás de várias personalidades.
O EU é a parte intacta do ser
humano, a qual o outro só deve conhecer
o mínimo possível. Tudo que o outro conhece do EU são os eus, vestidos
de máscaras sociais. Eu sou o estranho para o outro e ele
é o estranho para mim, por isso usamos disfarces para nos parecermos familiares
um ao outro.
Abraços
Marcelo Maia
Licenciado em Filosofia pelo CEUCLAR